Danilo Cassane diz que isolamento social e medo de adoecer
estão
agravando quadros de ansiedade
e fazendo aflorar todos os tipos de transtorno
mental
16 de maio de 2020 - Alan Andrade
(alan@avozdaserra,com.br)
Passamos por um momento muito diferente
de tudo o que vivenciamos até hoje. O isolamento e o medo de ser contaminado
têm gerado efeitos negativos na vida de muitas pessoas, absortas no excesso de
informações sobre esta pandemia que assola o mundo. Nesta entrevista, o
especialista em psiquiatria e saúde mental Danilo Cassane, que atua na Região
Serrana há três anos, fala sobre os principais transtornos que afloram nestes
tempos sombrios, alertando a todos sobre a necessidade de tirarmos desse
momento aprendizados que serão muito importantes para a vida pós-pandemia.
AVS: De que maneira a pandemia afetou a
rotina dos seus atendimentos?
Danilo Cassane:
Estamos vivendo esse medo constante de que algo de ruim possa acontecer com a
gente, e ao mesmo tempo não temos o que fazer a não ser esperar. Então hoje
temos que lidar com a sobra de tempo, pois não estamos sabendo o que fazer com
ele. E é até curioso, pois antes uma das grandes causas dos transtornos mentais
era justamente a falta de tempo. Agora estamos com tempo sobrando e a gente não
sabe como preencher esse tempo, somado à toda carga emocional e medo que a
gente tem diante desse quadro de Covid-19. Noto na minha prática que os
pacientes estão procurando mais. Aqueles que já tinham tratamento estão
voltando com mais frequência e apareceram novos pacientes, que antes
aparentemente não apresentavam nenhum sintoma de instabilidade emocional ou de
algum transtorno, e que agora passaram a apresentar. E todos eles relatam sua
preocupação com o Covid-19. Então isso está gerando um grau de estresse elevado,
que por sua vez gera ansiedade, humor depressivo e pânico. A ansiedade já é uma
coisa inerente ao ser humano. Nós ficarmos ansiosos por situações específicas
como uma entrevista de emprego, uma prova que a gente vai fazer ou outro
acontecimento que nos chame a atenção. Mas o que está acontecendo é que agora
estamos ficando ansiosos o tempo todo. Este momento naturalmente deveria gerar
uma ansiedade, mas não em grau elevado, como o que está acontecendo, gerando
pânico, sintomas físicos, tudo causado por esse medo.
Muitos sintomas de ansiedade se
assemelham aos sintomas do coronavírus. Como diferenciá-los?
Dentro desses transtornos,
principalmente os ansiosos, surgem muitos sintomas psíquicos somatizados em
sintomas físicos. Eu poderia falar infinitos sintomas que os quadros ansiosos
podem apresentar, como dor de cabeça, dormência nas mãos, nos pés. Então vemos
na própria emergência dos hospitais muitas pessoas chegando com falta de ar,
dor no peito, dor de cabeça, levando as pessoas inclusive a acharem que podem
estar contaminadas. Os transtornos ansiosos podem apresentar sintomas físicos
que simulem uma síndrome respiratória aguda, um infarto. E a gente faz exames e
muitas vezes vê que na verdade não há nada orgânico causando aquilo. E aí damos
um calmante, a pessoa relaxa e os sintomas começam a regredir.
Em face do aumento da procura por
atendimento, os pacientes têm relatado dificuldades em adquirir certos
medicamentos?
A gente nota que alguns medicamentos
estão meio que sumindo do mercado, e medicamentos simples, que prescrevemos
muito, não estão sendo encontrados nas farmácias. Por isso estamos nos
desdobrando para poder prescrever outro medicamento similar ou algo que vá
fazer o mesmo efeito para que esse paciente não venha sofrer com sua falta. Um
exemplo de medicamento que está em falta é o carbonato de lítio, muito usado
para estabilizar o humor, e temos uma grande quantidade de pacientes que faz
uso dele. Existem outros medicamentos que desempenham o mesmo papel, mas não
com o mesmo nível de efeito.
Quais são os riscos da automedicação?
Os psicotrópicos não podem ser usados de
qualquer forma, pois eles produzem efeitos negativos se usados de maneira
errada, sem orientação médica. Há certos remédios, principalmente da classe dos
benzodiazepínicos, que são aqueles com tarja preta que nós conhecemos e que
possuem um efeito quase que “milagroso”. Eles realmente acalmam, mas também
causam dependência. Podem causar inclusive transtornos mentais. Sempre que
alguém que já faça uso, precisa contatar o seu médico, o seu psiquiatra. E as
pessoas que não façam uso, essas precisam buscar o atendimento, para que passem
por uma avaliação e uma prescrição do medicamento da melhor forma possível. É
preciso tomar esse cuidado, pois causa vício. E depois para tirar da
dependência é muito difícil.
O medo e a preocupação excessiva podem
desencadear quadros característicos do Transtorno Obsessivo-Compulsivo?
Neste momento em que falamos que é
preciso lavar bem as mãos e ter maiores cuidados com a higiene, há pessoas que estão
o tempo todo trocando a roupa, tomando banho cinco, dez vezes por dia – e
estando dentro de casa, num ambiente aparentemente livre de contaminação. Isso
pode desenvolver um TOC que deixará resquícios lá na frente, depois que a gente
passar por isso tudo. Dessa pandemia o que a gente teme – e infelizmente vai
acontecer muito – é deixar esse legado negativo de transtornos mentais.
De que forma o isolamento social
interfere no consumo de substância como o álcool e o cigarro?
Estamos lidando com sobra de tempo, com
ociosidade, e vendo muita gente que consumia bebidas alcoólicas de forma
“social” agora consumindo com maior frequência. Precisamos atentar para o fato
de que quando o consumo vira uma rotina, depois que tudo voltar ao normal,
essas pessoas sentirão falta dessa rotina. Em relação às pessoas que fumam, é
claro que sempre orientamos a evitar, mas que não parem de uma vez, porque
correm o risco de desenvolverem questões como a abstinência, que podem levar ao
pronto-socorro.
Quais desses transtornos têm aumentado
mais com a pandemia e que orientações você poderia dar às pessoas para que elas
possam evitá-los ou ao menos minimizar seus danos?
Todos os transtornos estão aflorando,
estão ficando mais intensos. Mas o que a gente vê aumentando muito são quadros
de síndrome do pânico. As pessoas estão ficando apavoradas com o que pode
acontecer, achando o tempo todo que vão ficar doentes, que podem morrer. As
pessoas desenvolvem insônia por conta do quadro de pânico. E dentro de uma casa
onde moram quatro ou cinco pessoas, uma vai levando outra a começar a
apresentar quadros também. Precisamos tentar ao máximo tirar nosso foco da
pandemia. É claro que precisamos estar informados sobre o que está acontecendo
por meio de mídias que passam informação de maneira responsável, mas consumir
informação demais, para quem tem uma instabilidade emocional, definitivamente
não é legal. Precisamos aproveitar este momento para restabelecer e reforçar
vínculos, desenvolver tarefas que nos deem prazer. Estamos ficando muito tristes,
então qualquer medida que usarmos para nos fazer rir é muito importante. Manter
uma boa alimentação também, assim como um sono regular, que é uma base para
toda a saúde mental. São medidas que vão nos ajudar a suportar mais tempo
dentro de casa, que é o que devemos fazer. Temos que encarar este momento como
uma questão passageira, pois é passageira mesmo. Precisamos encarar isso com a
certeza de que tudo ficará bem lá na frente. É claro que, dentro de toda essa
positividade, não podemos esquecer de cuidar do nosso corpo, da nossa higiene e
da nossa saúde mental, pois ela está diretamente relacionada com a saúde
física. Temos que respirar fundo e ter a esperança de que virão dias muito
melhores do que já vivenciamos durante toda a vida.
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