20/02/2018
O
carnaval está se tornando cada vez mais longo. Começa muito antes do sábado e
não acaba na Quarta de Cinzas. Às favas as tradições religiosas da Quaresma.
Isso em um país que é tido como de maioria católica. Aliás, tradições, essas
memórias do tempo, irão se esvaindo até se tornarem invisíveis para novas gerações.
Nas
produções elaboradas e rutilantes das escolas de samba, tanto no Rio de Janeiro
quanto em São Paulo, todo ano pobres se
vingam transformando-se em reis e rainhas. Mulheres se despem para satisfação de nativos e estrangeiros. A
proximidade, nos carros alegóricos, com personalidades populares leva ao
nirvana misturado com samba.
Durante
horas desfilam escolas competindo entre si para alcançar o primeiro lugar,
porque viver é competir. Nas
arquibancadas o público não sente sono, fome ou cansaço durante toda a noite
até a manhã do dia seguinte. Algo inimaginável caso fosse obrigatório como
trabalhar. Aí cansava demais porque ninguém é de ferro. Nos camarotes, ricos e
famosos se entretêm comendo, bebendo, fofocando. O desfile é de menos porque sabem
que aqueles reis e rainhas são de mentirinha.
Neste
ano chamou atenção no sambódromo críticas políticas e sociais. A campeã
Beija-Flor trouxe para a avenida encenações da violência e da corrupção. Esta
era expressa pela ratazana simbolizando
o petrolão do PT. Homens vestidos com ternos pretos e guardanapos nas
cabeças representavam o ex-governador atualmente preso, Sérgio Cabral, e seu
pessoal na famosa estada em Paris.
A Beija-Flor foi muito aplaudida pelo
público que pagou caro para assistir aos desfiles. Apenas ficou esquecida a
corrupção do presidente de honra da escola, o bicheiro Anísio Abrahão David, e
o fato dos cariocas terem eleito Sérgio Cabral duas vezes, além do seu
sucessor, Pezão. Sem falar que o PT era ou ainda é forte no Rio de Janeiro. Se
Lula se safar no Supremo, certamente muitos cariocas votarão nele novamente.
A
vice-campeã, Paraíso do Tuiuti, mostrou ser uma escola
caprichosamente aparelhada pelo PT e seus agregados, como o PSOL.
Agradou as arquibancadas com críticas ao presidente Temer vestido de vampiro,
carteiras de trabalho estragadas pela reforma trabalhista e os “manifestoches”, vestidos com camisas
verde-amarelas e manipulados pela Fiesp, símbolo do capitalismo.
Paradoxalmente,
“manifestoches” foram os milhões de
brasileiros que bateram panela e, espontaneamente, foram às ruas em todo país
para pedir a saída de Dilma Rousseff, de
Lula e do PT. Os carnavalescos da Tuiuti não apresentaram os chamados “pães com mortadela”, que recebem um
lanche e alguns trocados para irem em ônibus fretados pela CUT às manifestações
de interesse do PT, sem saberem aonde e porquê vão.
Nenhuma
escola mostrou o Tríplex, o Sítio de Atibaia e outras maracutaias de Lula,
ficando assim um misto de incoerência e
cinismo da parte dos carnavalescos. No fundo foi a revolta, não
política, mas da falta de verba pública, apesar de que não devem ter faltado
verbas de variadas fontes.
Quanto
ao carnaval de rua, que se expressa através dos blocos, levou milhões para a
folia. São Paulo deixou de ser o “túmulo do samba” e fervilhou de gente que
pulou freneticamente sem parar por dias seguidos, braços para o ar numa espécie
de transe coletivo. Tanto lá quanto no Rio,
sobrou um rastro de imundície e fedor de urina,
qual souvenir de nossa marca cultural.
Observando
bem, o aumento dos blocos indica que o povo tomou gosto de ir às ruas. Ao mesmo
tempo, aconteceu um tipo de compensação prazerosa: substitui-se momentaneamente
a realidade virtual das redes sociais, onde não há contato físico, pelo
realismo material do outro, mesmo que fosse para ser tocado, roubado, apalpado,
beijado, etc. e tal. E assim caminha a
irracionalidade das criaturas que se julgam racionais.
Maria
Lucia Victor Barbosa é socióloga, professora, escritora.
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