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A FUGA DE CÉREBROS
DESENCADEADA PELO NAZISMO
MUDOU EIXO DA PESQUISA OCIDENTAL,
DA ALEMANHA PARA OS EUA.
Começa com uma semente, cresce
aos poucos e precisa sempre de água, luz e nutrientes.
Acabar com ela é muito mais fácil
do que criá-la : pode ser feito rapidamente, a ferro e fogo, ou aos poucos,
negando aquilo de que precisa para existir.
Essa analogia descreve
perfeitamente o que aconteceu com a maior comunidade científica da primeira
metade do século 20, a alemã.
A planta foi arrancada pelos nazistas,
mas deu frutos em outros países.
De 1901 a 1932, os primeiros 32
anos do Prêmio Nobel, a Alemanha liderava nas categorias científicas.
De 100 prêmios, 33 foram para
alemães, 18 para britânicos e apenas 6 para americanos.
Dos laureados alemães, oito, ou
cerca de 25%, eram de origem judaica, apesar de os judeus representarem
então 1%
( UM POR CENTO) da população
alemã.
Já de 1951 a 2002, os americanos
passaram à liderança do mais cobiçado prêmio internacional de ciência - e até
mesmo os britânicos ultrapassaram os germânicos.
Dos 327 prêmios concedidos nesse
período, 180 (55%) foram para os Estados Unidos, 44 (13%) para o Reino Unido e
31 (9% para a Alemanha.
O principal motivo dessa inversão
que fez o inglês se tornar a língua universal da ciência foi a fuga de cérebros
resultante da tomada do poder em 1933 pelo Partido Nacional Socialista dos
Trabalhadores Alemães, mais conhecido pela sua abreviatura
-"nazista".
Seu líder, Adolf Hitler
(1889-1945),
pretendia construir um império de mil anos.
Uma das bases ideológicas do
nazismo era o racismo, especialmente contra judeus e "raças
inferiores", como os eslavos.
Hitler demitiu a maioria dos judeus que trabalhavam
para o Estado. Todas as universidades eram estatais. De um momento para outro,
todos os acadêmicos judeus ficaram sem emprego.
A história dessa fuga de
pesquisadores e de sua incorporação à ciência anglo-americana está
admiravelmente contada no livro "O Presente de Hitler" - Cientistas
que Escaparam da Alemanha Nazista", de Jean Medawar e David Pyke, agora
publicado no Brasil.
Pyke, morto em 2001, era pesquisador na área médica. Jean é
a viúva de sir Peter Medawar (1915-1987), biólogo britânico nascido no Rio de
Janeiro e ganhador do Nobel de Medicina e Fisiologia.
Eles conheceram pessoalmente vários dos cientistas citados,
o que dá um charme adicional ao livro, repleto de casos interessantes. Também viram o nazismo de perto. Jean se lembra de alguns
dias passados na Floresta Negra alemã e dos onipresentes estandartes com a
suástica.
Tecnologia de guerra
O tamanho do êxodo científico
pode ser medido nas estatísticas do Conselho de Assistência Acadêmica (depois
renomeado Sociedade para a Proteção da Ciência e da Cultura). Essa entidade foi
criada por acadêmicos britânicos para auxiliar seus colegas exilados.
No final da Segunda Guerra (1939-1945), havia 2.541
acadêmicos refugiados registrados na entidade, a maioria alemães e austríacos.
Entre os europeus forçados a abandonar seus laboratórios, contam-se 27
ganhadores do Nobel (dos quais sete o obtiveram antes da chegada dos nazistas
ao poder). Esse "presente" de
Hitler contribuiu para que a Alemanha perdesse a guerra.
Basta ter em mente o papel desempenhado pela ciência e pela
tecnologia nos conflitos do século 20 em diante. Não se trata apenas de aperfeiçoar
armamentos e equipamentos, como o sonar, o radar ou os mísseis balísticos.
Ciência e tecnologia têm uma influência muito mais abrangente.
O livro dá um bom exemplo, relativo à Primeira Guerra
(1914-1918). Se não fosse pelo químico Fritz Haber (1868-1934), a Alemanha
quase certamente teria perdido a guerra logo no primeiro ano.
Haber descobriu um método econômico de sintetizar amônia,
base dos nitratos, essenciais para duas coisas: explosivos e fertilizantes.
Com o bloqueio naval aliado, os alemães tiveram seu acesso
ao nitrato chileno cortado. Sem
nitratos, não haveria nem munição nem comida.
O mais famoso cientista moderno, Albert Einstein
(1879-1955), era alemão e se naturalizou americano (uma citação no livro, de
J.B.S. Haldane, o define como "o maior judeu depois de Jesus").
Einstein sofreu na pele o anti-semitismo da elite
intelectual alemã, mas não chegou a ser uma vítima do nazismo, pois escapou da Alemanha. E não
só não voltou mais, como, depois do massacre dos judeus nos campos de
extermínio, passou a detestar os alemães em geral.
Carta-bomba
Uma famosa carta assinada por ele
e outro cientista refugiado
teve papel importante no destino da guerra.
A carta foi para o presidente
americano Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) em agosto de 1939.
Pedia que se iniciasse a pesquisa
que viria a resultar na bomba atômica.
O inspirador da carta, o físico
nuclear húngaro Leo Szilard (1898-1964), tinha feito sua carreira na Alemanha,
mas se mudou para o Reino Unido depois que os nazistas chegaram ao poder e dali
foi para os EUA. Szilard foi o criador da primeira reação em cadeia nuclear,
junto com outro "presente" da Europa para os EUA, o italiano Enrico
Fermi (1901-1954), casado com uma judia.
A diferença é que Fermi foi um "presente" entregue pelo
principal aliado de Hitler, o líder fascista italiano Benito Mussolini
(1883-1945).
Outro americano de origem húngara
se tornou o "pai" da bomba H, Edward Teller (1908-2003). Teller também tinha feito carreira na
Alemanha.
A bomba de hidrogênio emprega a
fusão nuclear em lugar da fissão (fundindo núcleos de átomos de elementos
leves, como o hidrogênio, em vez de quebrar núcleos de átomos de elementos
pesados, como o urânio). Permite a fabricação de bombas muito mais poderosas do
que as que foram lançadas contra o Japão em 1945.
Nem só judeus saíram da Europa
nazi-fascista. O físico austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961) saiu da
Alemanha, voltou à Áustria e saiu de novo, quando os alemães incorporaram a Austria com o apoio do povo austríaco .
Se os acadêmicos britânicos
mostraram uma nobre atitude ao acolher seus colegas perseguidos, o mesmo não se
pode dizer dos governos ocidentais. Burocracia e mesmo anti-semitismo
emperravam as imigrações (mesmo no Brasil de Getúlio...). Começada a guerra, os
cidadãos dos países inimigos eram vistos com suspeita e muitas vezes confinados
- mesmo que fossem judeus perseguidos pelo nazismo.
Raros cargos recusados
As várias biografias mostram
graus distintos de integridade pessoal. Houve muitos alemães que aproveitaram
as expulsões dos judeus para subir na carreira.
Muito mais raros foram os que se recusaram a se aproveitar disso. Um
deles, o farmacologista Otto Krayer (1899-1982), perdeu seu emprego por ter se
recusado a aceitar um cargo tornado livre pela expulsão de um colega judeu (O
que foi a sorte da Universidade Harvard,
que o acolheu em 1937).
O dilema dos que ficaram foi o
mesmo de todo acadêmico
ue tem de conviver com um governo ditatorial.
Um dos requisitos da boa ciência
é a liberdade de expressão.
Os físicos que permaneceram na
Alemanha tinham de se conformar em pesquisar uma tal "física alemã",
em contraposição ao que seria uma "física judaica". A teoria da relatividade de Einstein era um
exemplo dessa "física judaica" desprezada pelo governo nazista.
O mais importante cientista que
ficou na Alemanha foi outro ganhador do Nobel, Werner Heisenberg (1901-1976).
Trata-se também do caso mais complexo e ambíguo de todos. Ele trabalhava com
energia atômica.
Teria Heisenberg obstado ou
avançado o projeto de uma bomba atômica nazista? Uma famosa visita que fez ao
colega dinamarquês Niels Bohr (1885-1962) - mais um vencedor do Nobel -, em
Copenhague, rendeu até uma peça teatral de Michael Frayn, mas continua em
mistério sua presença ali.
Parte da conversa foi em torno
das aplicações militares da energia nuclear. Segundo Bohr, Heisenberg estaria
propondo uma política aos cientistas dos dois lados para não fazerem a bomba.
Os alemães, se soube depois, não
chegaram perto do esforço nuclear americano.
Não são só físicos os cientistas
citados no livro, por mais que o episódio da bomba seja marcante. Os refugiados também fizeram trabalhos
importantíssimos em biologia.
É o caso de Hans Adolf Krebs
(1900-1981), bioquímico que descobriu o fundamental processo biológico que leva
seu nome. O ciclo de Krebs explica como a energia química da comida se
transforma em energia física no corpo. Ganhou o Nobel de Medicina de 1953.
Outro notável assina o prefácio
do livro, o vienense Max Ferdinand Perutz (1914-2002), que a partir de 1936 fez
sua carreira na Universidade de Cambridge (Reino Unido). Seus estudos sobre a
molécula essencial do sangue, a hemoglobina, lhe deram o Nobel de Química de
1962.
"O Presente de Hitler" é repleto de detalhes, fatos,
datas. Alguns errinhos passaram na edição original em 2000, como notou o
pesquisador Walter Gratzer, que fez então uma resenha para a revista
"Nature". Os erros apontados por Gratzer - por exemplo, chamar o
físico Arnold Sommerfeld (1868-1951) de "Arthur"- estão corrigidos na
edição brasileira.
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O Presente de Hitler
- Cientistas que
Escaparam da Alemanha Nazista -
308 págs. Jean Medawar e David Pyke.
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